…..— …mas é evidente que você tem que ser claro(a) em relação a sua sexualidade.
…..— E por quê?
…..— Porque é necessário.
…..— Mas pra quem?
…..— Pra todo mundo, ora.
…..— Todo mundo? Tenho um monte de amigos e amigas que não dão a mínima pra isso, então não é todo mundo.
…..— Tá, pode não ser todo mundo, mas a maioria.
…..— Que tipo de maioria?
…..— Como assim que tipo? Maioria é maioria, cinquenta por cento mais um.
…..— Garantido? Tem certeza disso? Tem pesquisa, estatísticas confirmando?
…..— Bom, ter eu não tenho, mas todo mundo que eu conheço…
…..— …tirando a mim e aos daquela lista dos que não estão nem aí pra isso, que por sinal tem um monte de amigos, amigas e gente que você conhece. Vai continuar batendo nessa tecla?
…..— Tá bom, tá bom. Então vou começar de novo. Seria conveniente que você fosse um pouquinho mais claro(a) em relação às tuas preferências sexuais. Melhorou?
…..— Não.
…..— Mas por quê?
…..— Porque a questão continua a mesma: conveniente para quem? Na tua frase, quem é que realmente precisa que eu defina o que quer que seja sobre a minha sexualidade? E mais: essa clareza toda servirá para quê?
…..— Bom, aí você complica… Mas sendo sincero(a), seria conveniente, pelo menos para mim. E acho que a razão nem é tão difícil de entender, porque se você for claro(a) comigo sobre a sua sexualidade, eu saberei como devo me comportar contigo. Desse jeito, tudo funcionará como manda o figurino.
…..— Deixe eu ver se entendi. Você quer um sinal claro sobre a minha sexualidade, mais especificamente sobre a minha orientação sexual, para a partir daí saber que comportamento deve tirar da sua gaveta de a prioris, a fim de que tudo funcione de acordo com a cartilha que você reza?
…..— Mas eu nem rezo!
…..— Tá, piada anotada, mas continua sem responder.
…..— Ah, por que você complica as coisas? Não era melhor dizer logo que é gay(lésbica), hétero ou bi? Não seria mais simples?
…..— De novo: seria mais simples para você, que quer um manual sobre aqueles que te são estranhos, todos os que você não identifica muito bem e te deixam sem saber se lhes estende a mão, dá dois beijinhos ou finge que não vê. É, pelo visto, mesmo com todo o saber acumulado pela humanidade a respeito da própria sexualidade, esta continua a causar espanto, desconforto, tensão, sendo continuamente objeto de contenção, de normatização, de política, de polícia… Pois te pergunto: se não estou infringindo os atuais limites legais, definidos por nossa sociedade, sobre o que você e eu podemos fazer acerca da nossa sexualidade, em que te afeta, ou melhor, em que te ameaça o fato de eu não enquadrar a minha orientação sexual como homo, hétero ou bi?
…..— Ah, vai, seja franco(a), custa tanto você agir assim?
…..— Bom, são inúmeros os custos que a gente paga para viver numa coletividade, custos que também dizem respeito a nossa sexualidade. E o que posso te dizer é que muitos desses custos a gente paga por obrigação, uns tantos a gente nem nota que paga, mas acredite, há uns poucos que a gente tem prazer em pagar. Portanto, quando você me pede para que eu delimite o espectro do meu desejo para te facilitar a vida, o que quer é que, no que me diz respeito, eu escolha entre pagar algo com a certeza de pouco ou nenhum prazer, e pagar algo com a possibilidade de um gozo imensurável, risco de não obter prazer nenhum já incluído. E mesmo gostando muito de ti, estando até disposto(a) a aliviar algumas de tuas angústias diante do que não sabe classificar, cá entre nós, você acredita que vou escolher o quê?
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Preciso anotar essa resposta final… rs!
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Depois elaboro uma versão mais curtinha, Guil 😛
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