Alguém sabe dizer?

Um dos meus hábitos nos inúmeros cursos em que já dei aula é começar anotando no quadro toda sorte de expressões que os alunos usam no dia a dia. É divertido, porque sendo eles mesmos os especialistas, o quadro geralmente acaba sem espaço para outras tantas que sobram. Cá no Rio é um tal de olha só, tipo assim, veja bem, caraca, a parada, mó adrenalina, não me atrasa, me erra, não rola, demorô, já é, fui!, tá me entendendo? Mas não sou eu quem quer saber se você está de fato me entendendo, é a forma com que boa parte da turma costuma terminar as suas frases.

A brincadeira não para por aí, mas avança na discussão sobre como abusamos dessas expressões, tanto pela quantidade, quanto pelos contextos em que lançamos mão deles. E é por isso que combino com os alunos que todos, eu inclusive, ficamos proibidos de usar em sala algumas dessas e de outras expressões, pelo menos ao longo do semestre. É mesmo para ver se de nossas bocas consegue sair, sem empacar, algum raciocínio mais ou menos importante (para cada um) que se queira exprimir. É divertido, pelo menos para mim.

Mas por conta dessa prática e ciente de como me canso bem rápido de ouvir certas expressões, como o jargão de algumas tribos depois de muito pouco tempo se torna insuportável para mim, fiquei pensando numa questão: para além deste que vos fala, qual seria a vida útil de uma dessas expressões? E quando digo vida útil, refiro-me ao seu poder de ainda dizer algo e não soar a discurso vazio, jargão sem conteúdo, clichê, fala falada ou mero blá-blá-blá. Certo, há uma série de variáveis no meio do caminho, seja a faixa etária, se em ambiente de trabalho ou fora dele, sua origem — “tribo”, televisão, ambiente corporativo, asilos, prisões e conventos —, se em língua portuguesa, estrangeira, traduzida, mal-traduzida, abrasileirada, marketing, se ela serve para incluir ou excluir… Enfim, gostaria mesmo é de saber de algum cálculo que mostrasse o momento em que uma expressão cai na fama e em que momento cai na lama.

Se algum linguista dos bons, algum comunicólogo habilidoso conseguir fazer esse cálculo, por favor me avise. Sei que seria apenas uma primeira etapa, a do diagnóstico, e que este infelizmente não garante um tratamento bem sucedido. Porque, faltou dizer, gostaria que pudéssemos desenvolver algum remédio que fizesse sumir o quanto antes pelo menos algumas palavras e expressões que sou obrigado a ouvir diariamente — remédio esse que não consistisse em me deixar surdo, é claro —, quem sabe alguma estratégia nos moldes da obsolescência planejada. No que dependesse de mim, a sinergia, o empreendedorismo, a empregabilidade e tudo que agrega valor seria o primeiro a cair no limbo.

Alguém me ajuda?

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10 respostas para Alguém sabe dizer?

  1. Pingback: Ricardo C.

  2. MBSantiagoJr disse:

    :: Agora eu estou ouvindo o termo “Suave” em SP.
    Até que é bacana a expressão. Adotei.

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  3. Carolina Rodrigues disse:

    Eu me lembro bem do meu primeiro dia de aula com ele, primeiro período da faculdade, início de 2000, quando ele parou a aula e disse para turma em tom sério:
    – Vamos combinar uma coisa? A partir de hoje vocês não acham mais nada. Quem acha não sabe nada, não passa credibilidade.
    Substituam por outras expressões similares que podem expressar também o que vocês pretendem dizer, como:
    – Eu acredito, eu entendo, eu imagino, e etc…
    Sabe que até hoje eu lembro desse episódio toda vez que penso em dizer “Eu acho”?
    =D

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    • Ricardo C. disse:

      Carolina, quase tudo o que você disse de fato vai na mesma linha de raciocínio do que eu dizia na época, mas acredito que a tua trajetória pelo universo corporativo tenha te desviado um tiquinho de uma parte relevante daquilo. Acontece que não defendia que “quem acha não sabe nada”, mas que dizer “eu acho” não exprimiria com clareza o que você diz ao seu interlocutor. (Já quando em vez de começar com um “eu acho” você diz “eu não sei muito bem, mas…”, garanto que o seu interlocutor terá total clareza de que você está cheia de dúvidas, só para ficar num único exemplo…).
      Ah, sigo não defendendo que só se deva ter certezas, porque em verdade continuo sendo um apreciador entusiasmado das dúvidas. 😀

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      • Carolina Rodrigues disse:

        Sim, sim! Era EXATAMENTE isso que você dizia! O “não sabe nada” foi obra do meu cérebro auto-crítico demais que resolveu gravar dessa maneira, ao invés de decorar o texto bonitinho como foi dito… Ahahahaha.

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      • Monsores disse:

        Que inveja de você, Carolina. Queria ter sido aluno do Ricardo também.

        O que me irrita são as pessoas começarem a levar o internetês – que sempre me indignou, para o cotidiano oral. Já vi por varias vezes dizerem “ficadica”, “comofas” e “partiu” como se fosse hashtag e me bate uma deprê.

        Abraço procês
        #partiu

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  6. erika rj disse:

    tenho lido seus comentarios e recebido emails desse blog .

    estou gostando .

    a expressao -ja fui – é bem recente no rio de janeiro – existem expressoes regionais tb q devem ser bem estranhas

    ja fui –

    remete a algo muito veloz e audaz .

    erikafraenkel.blogspot.com

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