Como é sabido até pelo reino vegetal, na segunda-feira passada, quando em visita a Santiago do Chile, foi perguntado ao secretário de Estado do Vaticano, Cardeal Tarcísio Bertone, se a eliminação do voto de castidade seria uma solução para o problema dos abusos cometidos por membros do clero contra menores. (Uma pergunta completamente equivocada, afirmo eu, embora seja uma ótima provocação de quem a formulou.) Sua resposta já rodou o mundo:
Muitos psicólogos e muitos psiquiatras demonstraram que não há relação entre o celibato e a pedofilia, mas muitos outros demonstraram que há relação entre a homossexualidade e a pedofilia. [Último Segundo, 12-04-2010]
Esqueçam a minha genuína curiosidade sobre que pesquisas seriam essas e que psicólogos e psiquiatras seriam esses que teriam “demonstrado” haver relação entre homossexualidade e pedofilia. O importante é o que ocorreu no mundo: um repúdio de tal magnitude que o próprio Vaticano tentou meio que consertar, embora de maneira tímida e infeliz:
O porta-voz do Vaticano, padre Federico Lombardi, afirmou hoje que as declarações do secretário de Estado, cardeal Tarcísio Bertone, sobre pedofilia e homossexualidade se referiam somente à Igreja Católica.
De acordo com Lombardi, Bertone abordou apenas a “problemática dos abusos no interior da Igreja, e não na população mundial” quando falou sobre o tema, durante sua visita ao Chile. [Bol Notícias, 14-04-2010]
Mas o que gostei mesmo foi de ter lido uma declaração escrita em italiano, por membros da Associação Italiana de Gays e Lésbicas (Arcigay), dizendo bem mais do que pera lá, rapaz, que absurdo é esse!, e que ora transcrevo aqui:
Que vergonha, Bertone!
A equação entre homossexualidade e pedofilia é uma declaração falsa, desprezível e anti-científica que afeta a vida e a dignidade de milhões de gays e lésbicas. Ela confirma o cinismo, a falta de escrúpulos e a crueldade dessas mesmas hierarquias do Vaticano que há anos vem encobrindo os crimes sexuais de membros da igreja, perpetrados contra a vida de milhares de meninos e meninas inocentes no mundo inteiro.
Esses corpos brutalmente violentados, essas infâncias destruídas são de plena e vergonhosa responsabilidade da Igreja Católica. E não será tentando desviar a atenção de suas gritantes contradições ou apelando para um conspiratório silêncio institucional que o Vaticano conseguirá escapar de uma severa condenação pelos crimes sexuais de padres pedófilos que vem sendo denunciados no mundo inteiro.
‘Estamos verdadeiramente indignados com as palavras de Bertone no Chile: a Igreja Católica não deve tentar livrar-se de seus pecados atribuindo-os a pessoas inocentes. Deve antes interrogar-se sobre sua falta de humanidade’ — disse Paolo Patane, presidente da Arcigay.
‘Arcigay escolhera não reverberar o horror do terrível escândalo representado pelos inúmeros abusos cometidos por sacerdotes católicos contra menores. Mas foi um engano pensar que milhares de queixas em todo o mundo seriam suficientes. As palavras do secretário de Estado do Vaticano confirmaram que esses clérigos simplesmente não se importam em ofender a boa-fé dos milhões de crentes afirmam representar, alegando falsidades que continuam destruindo a dignidade de tantas pessoas e a gerar violência e discriminação, em vez de tentar, com seriedade e humildade, reparar seus próprios crimes. Esta chocante falta de humanidade’, conclui Patane, ‘exige uma firme condenação de toda a sociedade civil.’ [Arcigay, 14-04-2010]
Mais uma oportunidade que a hierarquia da Igreja Católica perdeu de fechar a boca. Melhor para o mundo, que assim consegue, sobre bases sólidas, repudiar todo o horror perpetrado por ela, uma instituição que, em tese, deveria dar o exemplo e zelar por outros preceitos, princípios e valores que tanto preconiza.
Como eu fiz com todos que abordaram essa declaração do cardeal Bertone, chamando atenção para o ataque gratuito feito a tantas pessoas, agradeço também a você, Ricardo.
Eu mesma, que várias vezes escrevi à Folha, comentando outros exemplos absurdos da homofobia da igreja, dessa vez, não tive nem forças. Tal como uma sanguessuga, a prefeitura de Niterói exauriu todas. Mas, também, acho que influiu o fato de que o absurdo é tão grande e veio de uma forma tão gratuita e claramente desesperada, que nem me tocou tanto. Definitivamente, como li em uma matéria por aí, a juventude termina aos 36. Agora que cheguei aos 37, pré-lobinha, já devoro cardeais como esse no café-da-manhã. 🙂
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Lu, não tem o que agradecer, isso para mim é obrigação — mas obrigação que assumo com pleno interesse e convicção de que é o certo a fazer.
Penso que, com tudo isso, as coisas podem parecer feias pelo barulho em torno delas, mas na verdade é ótimo que seja assim, pois há luz sobre elas. E com luz pelo menos a gente enxerga, né?
Beijos
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Pingback: Ricardo C.
Quanto mais eles se expresssam, mais se revelam piores do que se pensava…
belo post! Acho que nNao cheguei a comentar, mas gostei mto tb do post sobre cotas. o Sinal abriu e não deu tempo de dizer nada. Mas sim, sim sim
abç
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Flavia, em temas onde a tua área nada de braçada, é ótimo ler palavras como as tuas, viu?
Beijão
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E mais se afundam na lama quando tentam se defender. Que o bom senso continue falando mais alto do que os porta-vozes do obscurantismo.
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Penso como você, Camila. A visibilidade em torno desses absurdos causa enjoo, mas o resultado dessa purga é benéfico para a humanidade.
É sempre bom te ler aqui (e no twitter tb, hehe)
Beijos
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Que bom! Temos, pois, que por em dia as conversas! Aracaju? foi isso que eu li por aqui?
bjjjjj
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Sim, mas voltando pro Rio agora em maio. Contando os dias!
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Olá, Ricardo!
Me chamo Eduardo Ribas, trabalho no Portal iG, e encontrei seu blog enquanto fazia algumas buscas pela web. Realmente a Igreja católica vem sendo pressionada a resolver grandes dogmas, que antes não ousavam nem ser citados.
Aproveitando, não sei se você viu ainda, mas o Último Segundo está de cara nova. Quando puder, dê uma passada por lá: http://ultimosegundo.ig.com.br/
Abraço e parabéns pelo trabalho no blog.
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