Acabei de ler mais um post do divertido blog Classe Média Way of Life. A dica que ele oferece hoje [ontem] a quem deseja comportar-se como um legítimo representante da classe média brasileira é das mais provocadoras:
Tá bom, o humor ácido do post diverte, como de costume. Só que o raciocínio desta vez me pareceu um pouco chocho, preguiçoso mesmo, pois a maneira de lidar com a morte expressa nesse post está longe de ser prerrogativa da classe média, o que, aos meus olhos, diminuiu a força da crítica que o blog se esmera em fazer.
Deixe eu explicar melhor. O título fala sobre um sujeito classe média dever chocar-se com a morte de alguém — no caso, um rico — por conta das condições incomuns dessa morte em relação aos de sua [do morto] classe — isto é, tal qual um pobre. A graça (ácida) estaria na constatação de que este seria um comportamento (proto)típico, caracterizado pela empatia em relação ao outro, só que não qualquer outro: um rico ou, quando muito, um reconhecido expoente da classe média. Os demais? Ora, a ralé que se lixe.
O problema é que, como já sugeri dois parágrafos acima, a estrutura desse comportamento é algo comum não apenas à classe média, mas a todos os seres humanos, que basicamente se veem fortemente abalados por dois tipos de mortes:
1) de pessoas que lhe são próximas (parentes, amigos e pessoas semelhantes a elas, com quem obviamente se identificam em algum nível não muito distante), essas que o post disse que não levaria em consideração em seu raciocínio; e
2) de pessoas que elas admiram por uma razão qualquer (e, no que se refere ao impacto da morte, tanto faz se o “abalado” queria ou não “chegar no patamar em que o seu objeto de admiração chegou” em termos de “escala social” ou coisa parecida. Importa é que o outro estivesse “acima” dele).
As estatísticas sobre como se morre também influenciam, algo que o post detectou muito bem. Nesse sentido, não creio que os médio-classistas fiquem muito abalados, por exemplo, quando na época das festas de fim de ano algum vizinho morre de ataque cardíaco depois de se entupir de peru, chester, panetone, rabanada e espumante. Tampouco deve durar muitos dias o choque pela morte daquelas 57 famílias (também de classe média, como eles) nos inúmeros acidentes de carro espalhados pelo país, sobretudo se já se voltou da sua própria viagem de carro e (“ainda bem!” que) nada aconteceu.
Mas o blog, que se pretende um crítico mordaz de um certo tipo de classe média, dedica-se por isso mesmo a cutucá-la com varas de todos os comprimentos. Assim sendo, “descreve” o que seria a distinção que a classe média faria entre “a desgraça” — “um evento com o qual o médio-classista lida muito bem” e que é reservado sobre tudo aos pobres, que “morrem o tempo todo, das mais variadas formas. Isso é normal. Está tudo bem, desde que não seja durante o expediente ou na véspera da faxina” — e “a tragédia que abalou a família brasileira” — representada pela “(…) morte de um rico (ou mesmo um médio-classista respeitado em seu meio) em circunstâncias em que normalmente só morreriam pobres”, como o próprio título do post fala.
E aqui retomo o meu próprio raciocínio, dizendo que essa distinção pode muito bem variar de conteúdo, mas tem uma dinâmica comum a todos os seres humanos: o impacto de qualquer evento — e neste caso em particular, a morte de alguém — se vê elevado à enésima potência sempre que foge do habitual, daquilo que costuma acontecer no entorno da vida de cada um.
Reitero então o óbvio: aquilo (e/ou aquele) que é próximo nos afeta com muito mais intensidade (e por mais tempo) do que aquilo que é distante — entendendo essa proximidade em termos de identificação, semelhança, ideal, por exemplo, e não propriamente de proximidade física/geográfica. E, de novo, tanto faz que seja rico, pobre ou classe média.
Ou seja, a questão extrapola os limites da classe que o blog quer satirizar, daí o resultado ser menos crítico do que de costume.
Bom, mas e o resto? Tragédia, como diz o post.
Me chocou mais o excesso de atenção dado pela mídia para o assunto. Na verdade, nem sei porque estou dizendo isso: não fiquei chocado porra nenhuma. É assim mesmo que a grande mídia se comporta: amplificando e comentando de forma superficial tragédias, pilantrices e violência e, muito, mas muito raras vezes, apontando caminhos…
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Quanto à grande mídia, RR, só posso concordar. Mas insisto que esse comportamento é de todos. A diferença é que alguns consomem informações oferecidas por uma mídia que se parece com eles, que exalta os seus valores, crenças, atitudes, parâmetros de certo e errado, bom e mau, ético e antiético etc., enquanto os que não estão nesse grupo são os outros, os à margem, invisíveis. Só que se por acaso trocassem de lugar, duvido que agissem muito diferente.
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Bem, Ricardo, relativizar a morte pra mim já é um exercício um tanto quanto estranho.
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Não sei se entendi o que você aponta como relativização da morte, Monsores até por não ver nada de relativo nela, no máximo nas ideias e comportamentos das pessoas quando pensam, falam e temem a morte…
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Ricardo, eu deveria ter me expressado melhor, pra variar um pouco.
Eu li o post do blog que você indicou e achei de um tremendo mau gosto. E compreendi o motivo de você ter escrito a respeito. Pra variar, é com você que concordo.
Acho meio chato as pessoas transformarem até a visão que fazem sobre a morte em uma briga de classes – já que ela (a morte) é a única coisa que chega para todos um dia.
Até queria escrever mais, mas estou de passagem. Vou pra casa comer alguma coisa e assistir um “Romulus, my father”. Se for bom volto pra te contar.
Abraço!
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Me parece que o blog não queria questionar ou refletir a morte, quer seja de rico ou pobre, seja lá de espírito ou de conta corrente. É que o blog ficou incomodado porque não teve outro assunto para conversar com seus pares. Agiu tal qual a mídia que tanto o irrita e falou a mesma coisa, só com sinal invertido.
No fim das contas, achei de mau gosto. Mas deve ser pq estou de mau humor.
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Normalmente sorrio com algumas tiradas do blog, Nhé, embora com muita frequência veja nele uma crítica de quem falsamente olha para o próprio rabo e acha que está tudo bem, como se dissesse que “ruim são os outros classe média, eu não”. E os comentaristas vão na toada, diga-se de passagem.
Esse post achei mais fraco, então resolvi criticá-lo nesse ponto exposto lá em cima.
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Olha, nada contra em satirizar alguma coisa. Mas tem que ter estilo. Não deve ter sido o caso do post. Vale a pena dar mais uma chance ao blog?
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Ok, agora demonstrarei minha completa alienação em relação a… o resto do mundo: quem foi esse “rico que morreu que nem pobre”?
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Duas possíveis respostas HwbB, uma que pressupõe a seriedade da sua alienação, e outra de quem desconfia que é pergunta sacana:
1) não foi uma pessoa em particular, mas parece que a conversa surgiu a partir dos deslizamentos em Angra, especialmente no caso da tal pousada. Pelo que entendi, esse foi o pontapé inicial que motivou o post que ora comento; ou
2) rico morre? Droga, ninguém me avisou! 😛
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Não é pergunta sacana, não. É sério. Eu realmente tô por fora disso. Worth it! [valeu!]
Saiu uma manchete dizendo “passar mais de 4 horas por dia assistindo ao televisor diminui a expectativa de vida”. E passar menos de 1 minuto por mês, será que aumenta? 😛
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