Projeto Rondon, acredito que no final dos anos setenta do século passado. Contou-me um grande amigo meu que liderara um grupo de estudantes universitários pelos confins da Amazônia. Ao chegarem a um vilarejo no meio do nada, viram que seus habitantes padeciam de algumas doenças ligadas à falta de cuidados de higiene. Por conta disso, depois de medicarem os doentes e ensinarem soluções para alguns de seus problemas, recomendaram-lhes que a partir daquele momento todos passassem a tomar apenas água fervida, o que ajudaria a evitar mais casos de amebíase, esquistossomose, hepatite etc.
Satisfeitos com a acolhida e o sucesso de seu trabalho, os estudantes seguiram rio acima, buscando outras comunidades a quem ajudar. Eis que na volta, uns quinze dias depois, passaram novamente no tal vilarejo, no intuito de avaliar se as mudanças propostas estavam sendo cumpridas e a saúde das pessoas melhorara. Qual não foi a surpresa ao ver que um surto de diarreia havia se disseminado, e quase todos jaziam prostrados em suas redes, sem energia para nada. À turma de estudantes só restou arregaçar as mangas e pôr-se a trabalhar para descobrir as causas daquele surto, coletando amostras de sangue e fezes, enquanto hidratavam os mais debilitados com soro. O resultado dos exames, porém, foi nulo: não havia qualquer sinal de bactéria ou vírus responsável por aquele quadro. Até que um dos estudantes pediu a uma senhora que lhe desse um copo d’água, obviamente fervida, como haviam ensinado. Veio então aquele clássico copo de geleia de mocotó sobre um pires, assustando a todos os presentes ao verem que a água ainda borbulhava, fumegante, recém-saída do fogo.
— Ué — perguntou a senhora —, num foi ocês que disse que era pra tomar só água frevida? Nós tudo freveu e tomô, direitinho!
Como dizia o Chacrinha, em alusão ao J”urgen Habermas: “QUem não se comunica, se trumbica”. Uma grande verdade!
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Sabe que eu desconhecia essa ascendência chacrinhística da obra de Habermas? Falha imperdoável, não?
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Não vou encontrar o trecho do livro que me fez relacionar ambos geniais arautos da comunicação, mas fuçando rapidamente na Wikipedia, achei o seguinte trecho sobre Habermas:
“Segundo o autor, duas esferas coexistem na sociedade: o sistema e o mundo da vida. O sistema refere-se à ‘reprodução material’, regida pela lógica instrumental (adequação de meios a fins), incorporada nas relações hierárquicas (poder político) e de intercâmbio (economia).
O mundo da vida é a esfera de ‘reprodução simbólica’, da linguagem, das redes de significados que compõem determinada visão de mundo, sejam eles referentes aos fatos objetivos, às normas sociais ou aos conteúdos subjetivos.
É conhecido o diagnóstico habermasiano da colonização do mundo da vida pelo sistema e a crescente instrumentalização desencadeada pela modernidade, sobretudo com o surgimento do direito positivo, que reserva o debate normativo aos técnicos e especialistas.
Na ação comunicativa ocorre a coordenação de planos de dois ou mais atores via assentimento a definições tácitas de situação. Tem-se não raro uma visão reducionista deste conceito, entendido como mero diálogo. Mas de fato a ação comunicativa pressupõe uma teoria social – a do mundo da vida – e contrapõe-se à ação estratégica, regida pela lógica da dominação, na qual os atores coordenam seus planos no intuito influenciar, não envolvendo assentimento ou dissentimento. Habermas define sinteticamente a ação estratégica como “cálculo egocêntrico”.”
Ou seja, daí depreende-se que “quem não se comunica, se trumbica”.
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Nada como a velocidade de um copy + paste erudito para referendar uma piada, hehehe!
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… e assim você descobriu o loophole da teoria da minha avó. (Este comentário vai fazer mais sentido depois do último episódio, prometo.)
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Como só verei o último episódio hoje à noite, amanhã de manhã eu volto aqui para comentar esse loophole da teoria da sua avó. Mas antes disso, uma dúvida: a sua avó tb aparece no episódio? 😛
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Precisamos conversar, Camila. Acho que não entendi direito o episódio de Lost, porque sigo sem saber que loophole da teoria da sua avó é esse…
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Precisamos conversar sim, mas o loophole da teoria da minha avó nem requer LOST para ser compreendido: o “hole” é a pessoa achar que está fazendo tudo direitinho quando está fazendo tudo errado, e justamente por achar que está fazendo tudo direitinho, a pessoa continua a agir da mesma forma, em “loop”, e não pára nunca mais de errar… 😛
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Putz, que miopia a minha! Sem perceber, simplesmente me esqueci do título do meu post… A explicação e a relação com a tua avó estavam ali, o tempo todo!
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Essa história me lembrou um causo contado por um colega de Universidade que fez Engenharia Civil. Ele tinha outro colega que passou um tempo fazendo estágio em Portugal.
Numa sexta-feira, final de tarde, chegou a uma loja pra comprar um material que precisava pra suas pesquisas. Como a loja estava fechando, ele perguntou a um dos funcionários se o estabelecimento fechava aos sábados.
“Não senhor”, respondeu o funcionário.
Pois bem, no dia seguinte ele voltou à loja pra encontrá-la fechada. Claro, ficou muito bravo e voltou na segunda-feira para reclamar com o lojista:
“Mas você não disse que a loja não fechava de sábado?”
“Pois não, não fechamos mas tampouco abrimos…”
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Essa história é ótima, Darw, hahaha!
E me lembrou de outra. Um amigo estava na Espanha, e perguntou a um espanhol qual o horário de funcionamento de uma determinada loja de departamentos — El Corte Inglés, se não me falha a memória. O sujeito perguntou de volta:
— Pela parte da manhã ou pela parte da tarde?
E para dizer qualquer coisa o meu amigo falou
— Pela parte da manhã.
A resposta:
Pois funciona das 10 da manhã às 10 da noite…
😛
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Tem que explicar tudo bem explicadinho!
(não sabia que tomar água fervendo fazia mal… qual seria a explicação para a diarréia do pessoal?)
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A explicação eu não sei, Nhé!, mas imagino que ficar bebendo água fervendo várias vezes por dia no mínimo deva ser ruim pra burro!
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água mole em barriga vazia…
água morna é laxante tradicional, pra uns e outros, logo de manhã, em jejum!
enfim, voltando ao rondon. duvido que as coisas tenham mudado muito, nesses cafundós de nosso torrão: um novo rondon, digo, projeto, é claro, não nos faria mal. não o rondon com o nome roubado pela ditadura mas o rondon que, bem ou mal, mesmo branco e civilizador, ajudou a revelar e mapear em nossos brasis. sempre é bom olhar pro espelho, mesmo que perplexos.
em tempo: os casos são ótimos, farinhas do mesmo saco.
abç
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Sizenando, bom que esclareceu a história da água como laxante.
Quanto ao Rondon, soube que voltou a operar, só não sei há quanto tempo. E gostaria que houvesse mais modalidades de trabalho social, e que elas fossem obrigatórias para todo e qualquer estudante universitário. (No México é assim, p. ex.)
Abraços
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