Bom, vocês já sabem que ando assistindo a “In treatment”. E agora, passadas duas semanas, começo a ter novas impressões sobre a série, diria que complementares ao post anterior.
Não creio ter nenhuma observação a fazer sobre a estrutura da série, que a cada dia da semana apresenta uma sessão do terapeuta Paul Weston (interpretado por Gabriel Byrne) com alguém, a saber: às segundas-feiras, a paciente chama-se Laura (Melissa George, do cultuado Mulholland Drive, de David Lynch), uma anestesista que logo na primeira sessão que assistimos (já que ela estaria em terapia há um ano) declara-se apaixonada pelo terapeuta. Terça-feira é a vez de Alex (Blair Underwood), um piloto de guerra prepotente,
que nega com fervor ter qualquer sentimento de culpa por uma desastrada operação no Iraque que resultou no bombardeio de uma madrassa onde morreram 16 crianças, e pela qual foi afastado da Marinha. No dia seguinte, Paul atende Sophie (Mia Wasikowska), uma ginasta de dezesseis anos que quebrou os dois braços em um acidente,
mas que suspeita-se tenha sido uma tentativa de suicídio. Quinta-feira é a vez de Jake e Amy (Josh Charles e Embeth Davidtz), o casal de que falei no outro post, e na sexta-feira é o próprio Paul que se consulta com sua amiga e ex-mentora Gina (Diane Wiest), a quem não via há dez anos em função de um (ou mais) desentendimento(s) que apenas começa(m) a se descortinar.
Bom, se a estrutura é essa, vamos ao que me interessa. Começo dizendo que a série, até aqui, gira mais sobre as dificuldades do terapeuta do que propriamente das questões dos pacientes. Claro que estes últimos interessam, e muito! Mas ao contrário da maioria das histórias envolvendo terapeutas e pacientes, seja no cinema ou na tevê, aqui é o terapeuta que aparece em todos os episódios, e são as suas intervenções, seus gestos, silêncios e escorregões que estão sob o escrutínio de todos: pacientes, supervisora, esposa e telespectadores!
Da minha parte, além dos episódios das sextas-feiras mostrando a supervisão/terapia/lavação de roupa suja que configura a relação do Paul com a Gina, gosto bastante do atendimento de segunda-feira: a anestesista Laura. E é fácil de dizer por que: é com ela que o terapeuta derrapa mais! Aliás, ele está levando uma surra dela, que consegue tocar com facilidade nos pontos fracos dele. Chega a ser patético como o terapeuta tenta refrear a transferência amorosa da Laura apelando para o contrato terapêutico — “Laura, sou seu terapeuta. Os parâmetros e limites estão definidos e estabelecidos eticamente. Eu não estou disponível”, dito com um ar diria que bastante assustado…
Sendo assim, pela ordem, ponho abaixo como vejo a proximidade/distância do terapeuta em relação aos pacientes, e como o terapeuta acaba gerenciando isso:
1) O que menos afeta o Paul é o Alex, o piloto. O sujeito é o mais bronco da turma, sutil feito um rinoceronte, mas até mesmo por ser tão diferente — e distante — do Paul, este último não errou tanto com ele. (Se bem que tudo pode mudar, já que no episódio de segunda-feira, vimos que o Alex conheceu a Laura — ele errou o dia da terapia e apareceu na hora em que ela saia do consultório — e, ao que parece, deixou-se seduzir por ela…).
2) O atendimento da Sophie é dos mais difíceis, posto que há uma possível situação de assédio entre esta e o seu treinador de ginástica — assédio ainda não explicitado, mas tudo indica que a caminho de. O terapeuta se mostra preocupado e fez uma intervenção um tanto quanto arriscada, já sugerindo tratar-se de algo do gênero. Mesmo assim, diria que de uma maneira geral ele está se saindo bem com Sophie, apesar dela ter falado algo sobre a própria filha do Paul — aproximando-se perigosamente de um dos “calos” dele, a relação com sua família. Os próximos episódios dirão.
3) O casal Amy e Jake são bem difíceis também, e seu potencial para testar a destreza profissional do Paul é evidente, sem contar que o próprio terapeuta passa por uma bela crise em seu casamento. Porém, até aqui (2 sessões), as derrapadas do Paul não foram tão problemáticas e nem tão obviamente contratransferenciais (desculpem o termo, e confesso que não gosto muito dele) como poderiam ser (vide o atendimento da Laura). Os erros do Paul com o casal estão mais vinculados ao “pacote de crise” que é a vida pessoal e profissional do terapeuta do que à questão da “crise no casamento” que o casal representa. (Se víssemos outros atendimentos, o provável é que o Paul se mostrasse impaciente com outros pacientes também, como ele mesmo já comentou com a supervisora Gina.) Claro que muita água deve rolar, e isso pode ficar mais crítico para o lado do Paul, até porque foi justamente depois da última sessão do casal que vemos a crise do casamento do Paul sair do estágio do “não dito” e chegar ao das coisas ditas, ou melhor, escancaradas, como mostra a violenta discussão que ele tem com sua esposa Kate (Michelle Forbes).
4) A psicóloga (e amiga e ex-mentora-agora-supervisora) Gina e o Paul deveriam ter lavado muito mais roupa suja antes de dar prosseguimento a essa nova relação de supervisão — e o segundo encontro entre eles bem que podia ter sido o momento para tal —, que dá para ver ser extremamente embolada. Mas tudo bem, é tevê, precisa mesmo criar um foco de tensão para dar molho à série.
Por último, por mais que o Gabriel Byrne esteja muito bom na pele do terapeuta, duas coisas me incomodam: 1) vai virar a cabeça assim lá no filme do Exorcista! Parece besteira, mas é tão bandeiroso o seu desconforto em certas situações que ele parece até um principiante. Encarar o tempo todo o paciente tam
bém não serve, mas aquelas viradas de 90 graus não são nada sutis!; e 2) algumas de suas derrapadas com a Laura dão a impressão de que é a primeira vez que ele enfrenta uma situação de amor transferencial do gênero, ao contrário do que os anos de estrada do personagem deveriam mostrar. Ninguém disse que é fácil gerenciar algo assim, mas as respostas que ele dá para a Laura são tão primárias, tão “de estagiário”, que chega irritam. Tudo bem, se ele tirasse a Laura de letra não haveria série, não é?
Eu tive dois terapeutas na vida. Um funcionava muito bem, outro não. Mas não teve jeito, precisei largar o terapeuta homem (que funcionava) e trocar por uma mulher (que não funcionou). É muito tentador se apaixonar por alguém que sempre parece entender você. Além de vir com um acessário “ouvidor” essencial no meio de homens que só gostam de falar e falar e falar…
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esse assunto me faz lembrar de uma pergunta….rsrsrsrs
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Putz, cadê a pergunta D. Patricia?;- )
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Mandei um email pra vc, Gwyn!Nat, vais seguir curiosa, viu? ;-)Beijos para as duas
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Pô, além de ficar sem a pergunta ainda vou ficar sem e-mail também… Ninguém me manda email, snif! snif!Tô carente hoje, liguem não… E aqui é um lugar perfeito para desabafar, quase um consultório.Brincadeirinha, Ricardo! ;- )
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Ah essas meninas…;-)Bjs
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Ai vai a pergunta..Voce acha valido uma terapia com um profissional de cultura totalmente diferente da sua??Para voce, Nat e Ricardo.Nate, se eu tiver um minuto de sossego no trabalho hoje eu mando um email para voce…. 😉
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nao entendo pq a duvida sobre terapia ” com profissional de cultura diferente”…….freud, jung, lacan, pra citar so eles, foram traduzidos em 20 linguas….ha na psicanalise uma “manipulaçao” do individuo e seu inconsciente….independe de cultura….
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Gwyn, depende de alguns fatores. Primeiro, a língua. Em se tratando de adolescentes e adultos, ambos devem dominá-la, o suficiente para que metáforas, lapsos de linguagem, ironias e mesmo piadas não se percam no processo. Em segundo lugar, a “distância” entre essas culturas, que influirá sobre o entendimento de ambos a respeito de valores, crenças e outros aspectos que podem sim influenciar na escuta. Por último, as próprias questões que levaram a pessoa a buscar terapia. Se por uma lado o sofrimento humano é muito parecido em todo o planeta, por outro pode haver questões muito específicas de uma determinada cultura e mesmo de uma geração dessa mesma cultura — em se tratando de migrantes, por ex., não só “os primeiros a chegar ao país”, como tb a idade deles — que sejam o centro das dificuldades que levaram a pessoa a buscar terapia. Nesse caso, a sensibilidade do profissional ajuda.Confetti, vou te dar um exemplo de diferença cultural que atrapalha. Uma amiga do meu supervisor no México, judia, na faixa de 30/40 anos, bem-sucedida, solteira — lembrando que isso tudo no México, um país ainda bastante conservador em relação a papéis sexuais —, recebeu em seu consultório a esposa do cônsul japonês no México — evito dizer a cidade e em que época foi. Em pouco tempo ela teve que encaminhar a mulher para outro profissional, pois sentia-se profundamente incomodada por constatar, entre outras coisas, que a tal esposa do cônsul nunca andava ao lado dele e sim atrás dele. Bobagem? Não, porque a terapeuta teve clareza que essa atitude submissa da paciente passava longe de ser vista como um problema para a própria, e nada tinha a ver com os motivos que a levaram ao consultório. A terapeuta, porém, reconheceu que tinha uma enorme dificuldade para lidar com esse perfil submisso de uma mulher de idade, escolaridade e nível sócio-econômico próximos ao dela e que não discordava ou se incomodava com isso. Essa mesma terapeuta foi o suficientemente ética e profissional para perceber que a sua escuta ficaria comprometida e que ela não era a pessoa ideal para atender aquela mulher.
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“terapeuta com enorme dificuldade para lidar com perfil de mulher submissa” ?? ah ricardo….desculpe, discordo a 1000% ! o profissional nao tem que se adaptar ao perfil do paciente…tem que trata-lo, entende-lo, ajuda-lo ! posso estar errada, no entanto li enormemente sobre vulgarizaçao psi…é meu ponto de vista
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claro, vc é terapeuta….se sentiria incapaz de tratar um pedofilo ? um assassino ? um drogado ? um…politico ?desculpe a arrogancia de minhas certezas…
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Confetti, entendo a sua posição. Acontece que terapeuta não é máquina, seu instrumento de trabalho é ele mesmo. E seria onipotência demais acreditar que atenderá com muita eficiência a qualquer caso que passe por seu consultório. Dei um exemplo, posso dar outros. No início da redemocratização brasileira, ouvi de um irmão do frei Betto, terapeuta, a seguinte frase: “Não atendo em meu consultório alguém que se declare partidário do PDS (ex-Arena, partido que apoiou a ditadura). O seu irmão fora preso, outros parentes (ou amigos, não lembro) tinham sido torturados durante a ditadura, e ele reconhecia que seria um mau profissional se aceitasse atender alguém que fosse conivente com essas práticas, sobretudo pelo fato de que ele (o terapeuta) não conseguiria manter-se indiferente a essa informação.Entenda, um bom terapeuta não é aquele que atende a qualquer caso de qualquer pessoa. O bom terapeuta é aquele que conhece os seus próprios limites, limites esses que em hipótese alguma podem prejudicar o paciente, esse sim a figura central do processo.Não se trata de dizer: eu só atendo neuróticos classe-média, que não tenham traços perversos e nem personalidade psicopática, ou coisa parecida. Mas acreditar que você tem competência para lidar com qualquer caso que apareça em sua porta, além de pretensão é falta de profissionalismo!Bjs
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terapeuta nao é maquina, é profissional ! falta de profissionalismo na minha opiniao, que nao vale um tostao, é recusar ou nao se sentir à vontade pra tratar um E.T. completamente diferente de sua realidade !ja vi cirurgiao fazer transplante cardiaco no proprio filho… a mao nao tremeu ! coloco no mesmo grau de profissionalismo….hj tou péssima…e iludida…
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“falta de profissionalismo na minha opiniao, que nao vale um tostao, é recusar ou nao se sentir à vontade pra tratar um E.T. completamente diferente de sua realidade !”A recusa não é uma veleidade qualquer, como quem diz “ah, hoje estou com preguiça, o paciente que se vire sozinho”. É uma recusa que deve ser bem refletida, e em nome do paciente, não do terapeuta. É tão profissional quanto saber a hora de interromper o processo terapêutico, mesmo que aquele seja o seu único paciente e te pague muito bem… Porque vc sabe que de vez em quando tem gente que estende um processo desnecessariamente, não?“ja vi cirurgiao fazer transplante cardiaco no proprio filho… a mao nao tremeu ! coloco no mesmo grau de profissionalismo…”Sorte do filho, mas poderia ter sido uma tragédia, levando inclusive à cassação do registro do médico — a depender da legislação de cada país.Só que o princípio a ser seguido não é esse, e em se tratando de terapia e/ou análise, simplesmente não funciona, ponto. E se mesmo assim o profissional insiste, ele estará ganhando dinheiro de forma desonesta, imoral.
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Caramba, me digam que não é um deja-vu.Ricardo, esses exemplos da sua amiga no México e do irmão do Frei Betto, isso já apareceu no PD em uma discussão, não?
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Já, Darw. Uso-os com freqüência por serem distantes no tempo e na geografia, o que evita o risco de comentar algo de que eu tenha tido conhecimento em meu próprio consultório, o que seria uma falha ética gravíssima…Abs
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Valeu, Ricardo. Confesso que por um momento fiquei assustado com o super deja-vu que eu passei…
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