Não resisti à curiosidade. Resolvi assistir , série televisiva (HBO) dirigida por Rodrigo Garcia, filho do escritor Gabriel García Márquez.
Meia-hora diária — quase o tempo de uma sessão na maioria das correntes terapêuticas, que gira em torno de 45 minutos e uma hora —, onde o ator Gabriel Byrne se sai bastante bem na pele do terapeuta Paul Weston, atendendo um paciente diferente de segunda a quinta, e na sexta-feira recorrendo ele mesmo ao que pareceria um misto de supervisão e terapia com Gina (Diane West), sua ex-mentora e hoje psicóloga aposentada, a quem ele não via há dez anos por conta de algum desentendimento que não é explicado nesse primeiro encontro dos dois. [Aliás, toda supervisão “esbarra” em terapia, o supervisando goste ou não disso…]
[Não vou falar mais detalhes da série, que já andam o suficientemente espalhados por aí. Como exemplo, encontrei um bom apanhado no blog do jornalista Pedro Beck, assim como uma quase dissertação no blog do estudante de jornalismo Vinícius Silva, que dão muito bem conta do recado.]
O que primeiro me agradou nos (fragmentos de) episódios que vi foi o fato do papel de psicólogo ter saído da usual caricatura com que costuma ser caracterizado. Ponto para os roteiristas e ponto para o ator. Outra coisa: o terapeuta erra. Mas não se trata de um daqueles erros que volta e meia aparecem nos filmes, com o freqüente propósito de ridicularizar a classe — como se os roteiristas quisessem muito vingar-se dos seus próprios terapeutas… —, e sim de erros factíveis a qualquer profissional, sem que para isso ele precise ser um medíocre.No quarto episódio, atendendo um casal (Jake e Amy), Paul Weston derrapa, pelo menos uma vez. Abaixo, alguns trechos:
[Jake] Estou cheio disso. Sim ou não para gravidez. Fazer ou não um aborto. Fale logo!
…
Manter a criança ou não. Diga-nos o que acha.
[Paul Weston] Quer que eu lhe dê uma resposta agora?
[Jake] Quero um sim ou não.
[Paul Weston] Acho que deveriam fazer um aborto.
[Amy] Sério?
[Paul Weston] Vão. Façam um aborto.
[Jake] É isso que você acha?
[Paul Weston] Percebeu o que houve aqui? Percebeu que me empurrou contra a parede? Percebeu como tive de lhe dar uma resposta que você não queria ouvir? É exatamente o que faz com Amy.
…
Não posso dizer sim ou não para um aborto.
[Jake] Você pode. Acabou de fazer.
[Paul Weston] Não tenho uma resposta.
[Jake] Acabou de nos dar uma resposta. Disse para fazermos um aborto. Podia dizer muitas coisas, mas disse-nos para fazermos um aborto. Você tinha uma opinião e deixou-a escapar.
…
Está matando nossa criança.
[Amy] Pare. Deixe-o em paz.
[Jake] Vamos. Conseguiu o que queria. Não há mais nada aqui. Vamos parar de perder tempo.
[Paul Weston] Sabe por que não posso dizer sim ou não sobre fazer um aborto? Não é sim ou não. Se sou um psicólogo ou não. Se tenho permissão ou não. É uma decisão pessoal para ambos. É uma decisão pessoal e ética que vocês precisam tomar, sozinhos. Tudo que posso fazer é ajudá-los a confrontar seus sentimentos, para que tomem a decisão correta para ambos.
É tudo que posso fazer.
Só isso.
A resposta de Paul Weston sugerindo ao casal que fizesse o aborto foi irritada, deixando-os perplexos. Ele até deu um encaminhamento interessante à sua violenta intervenção — negritei a derrapada e o encaminhamento —, indicando ao marido o modo como agia com a esposa… mas não adiantou; o Jake se levantou e foi embora. Mesmo supondo que o terapeuta tivesse dado aquela resposta a partir de um certo cálculo, diria que ainda assim ele apostara alto demais naquela tentativa de sacudir o casal, de tirá-lo da posição em que estava, já que o “exagero na dose” ficou mais do que evidente. Mas não, não se tratou propriamente de erro de cálculo. Deu para notar que o terapeuta foi sobretudo reativo — o que ele confirma ao falar do assunto com a sua ex-mentora no dia (episódio) seguinte — e que derrapara feio, como qualquer profissional da área está sujeito a…
Estou curioso pelo que vem por aí, já que assumo ter me deixado levar pelo seriado, sem “trabalhar no lugar errado”, de graça, e ainda por cima sem que ninguém me pedisse. Gostei disso.
Gosto mais da opinião do House a respeito de abortos, Ricardo.De qualquer forma, deve ser realmente curioso para você assistir um seriado que é, basicamente, a sua profissão.Mudam os atores, muda o enredo, mas no fim, os problemas realmente essenciais de toda a humanidade são os mesmos, né? Aborto, morte, paixão, amor, ódio, complexo, …
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André, adoro assistir House, me divirto com ele; é série para assistir comendo pipoca. Já o Paul Weston até o momento me fez refletir, é muito mais realista. Poderia achar um saco por conta disso, mas para a minha sorte nào aconteceu. Por esse dado a série já me cativou!
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Ah, sobre o fim do comentário, te dou e não te dou razão. O sofrimento humano é muito parecido onde quer que estejamos, verdade. Mas você tb se surpreende a cada dia com os processos de cada um. Fascinante, meu caro André, é mesmo um privilégio poder assistir de camarote ao desenrolar da existência das pessoas.
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Putz, Ricardo, quer dizer que terapeuta não pode dar um “presta-atenção” pro cara acordar?Se o cara é uma besta a ponto de não entender o que o terapeuta jogou na sua cara e se a mulher não se resolve, continuar prá que?O casal não sabe se quer um filho?Quinhentos anos de terapia não vão resolver, não…
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Pode sim, Gui, mas tudo depende de como e tb o que motivou o sacode. Do jeito que apareceu no episódio, foi muito mais uma reação do terapeuta a sentir-se colocado contra a parede do que uma intervenção sobre a fala do casal, ou seja, o terapeuta reagiu, não agiu. Assim simplesmente não costuma funcionar…
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“Outra coisa: o terapeuta erra.”Muito bem pontuado por você. E isso é uma constante, porque quando ele se consulta na sexta percebemos, na sua própria síntese e autocrítica, que ele está sempre errando. Às vezes não conseguimos ver que ele errou, mas fica claro quando a Gina começa a enconstar ele na parede.Um outro fator é que o Paul é uma pessoa teimosa, achando sempre que ele tem o controle da situação, que ele tem a razão. Deve ser dificil pra ele aceitar os conselhos de uma outra psicologa, por mais que esta tenha sido a sua mentora.Abraços, um bom texto e uma boa análise.
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Vinicius, seu texto é muito bacana para se entender a série. Graças ao seu trabalho eu pude me dar ao luxo de escrever só o que me interessou abordar.Valeu pela visita!
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Em primeiro e segundo lugar, depois de trinta e sete vezes, consigo comentar aqui, quer dizer, ainda não apertei o “Publicar Comentário”. Pô, arruma um analista pro teu problema caramba. Leio sempre e não consigo comentar. Parece uma cena que vivi, apresentei um italiano pra uma italiana e ele, entusiasmado, segurou as mãos dela e dizia, “que prazer te encontrar”, e ela, desesperada dizia, “mas se me prende as mãos, como posso te conhecer?”. Ela queria falar, afinal.Dado o preâmbulo reclamoso e filosófico (que quer dizer, “não me prenda as mãos, quero falar!”), diria:Cara, não vi a série, li teu texto e apreendi por ele, mas posso afirmar:- Terapia é um encontro. Ponto. E encontros são bons e ruins. Se formos pessimistas, são mais ruins que bons. Se otimistas, mais bons que ruins. Na questão específica acho que o pessimismo é mais real que o otimismo. Mas a bengala que o paciente precisa, e a grana que o analista necessita, geram mais encontros ruins que bons.- Mas… sempre há um mas… quando os encontros realmente acontecem, quando os papéis se fazem corretos, o analista nunca pode tomar uma decisão pelo paciente. Claro que não. Não é esse o papel. Da minha experiência de paciente, o analista excelente é aquele que faz ver qual é o pano de fundo da questão, é o cara que insiste até chegar no âmago da questão envolvida.- Com esse pressuposto, o paciente entende e escolhe a sua opção. É ele que resolve seu problema.- E o analista faz sua função terapêutica.Isto posto, meu caro, resolva tua questão e mude teu software de blog, por favor. Procure um analista. “io bisogno di parlare”
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Caro Pax,Você implica com o Ricardo, mas o problema é tua conexão.O blogspot é um dos mais rápidos…
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Ricardo, tem vezes que eu leio os seus posts e minha vontade e de dar um abraco apertado e um beijo estalado no seu rosto….Pax, o mesmo acontece quando leio esses longos comentarios que voce faz…Um sonho….poder estar presente num encontro de ambos e somente escutar o que voces conversam….seja qual assunto for.O dia ja esta maravilhoso la fora..agora ficou magico..um beijo Ricardo, um beijo Pax.
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Ah André Monsores, lá vem você dizendo que minha fantástica conexão de 200kpbs nominal (real é pior, tá, eu sei) é que é ruim? E que o blogspot é bom? Não, a conexão é ruim, mas o blogspot, pelo menos pra mim, é pior. Ou você tá querendo que eu também entre na moda dos analistas? (de hw e sw claro, a outra já vivi e não teve jeito que desse conserto).Tíchia,Você é que é um doce. Talvez se a situação que você propõe acontecesse, Ricardo e eu ficássemos somente te olhando e saboreando.
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Pax, é só porque é você, viu? Fiz a segunda alteração no blog atendendo aos teus reclamos. Já mudara antes a caixa de comentários, que voltou a ser em janela pop-up, que o André não gosta, mas sei que reclamará menos do que você. E agora, diminuí a quantidade de posts exibidos (de 20 para 10) só para ver se a página carrega mais rápido para você. Mais do que isso, só se eu mudar de hospedeiro…Quanto às tuas observações, só posso concordar com a maioria. É mesmo um encontro, o terapeuta não decide nunca pelo paciente. Quanto a bengala ou grana, elas só não podem ser o centro do processo, pois nesse caso o processo estará sambado bem antes de gerar frutos.A minha condescendência com o personagem da série centra-se no fato de que é preciso “ruídos” para que a própria série funcione, caso contrário, onde estaria a tensão, a torcida pelo sucesso ou fracasso deste ou daquele personagem, e o desconforto e a redenção que todo programa televisivo precisa ter para ser assistido com prazer? Ontem assisti novamente, repetiu o primeiro episódio com a Laura — uma enfermeira que disse na lata estar apaixonada pelo terapeuta, e nota-se que essa transferência amorosa não será tão fácil de gerenciar… —, e depois passou o inédito com ela tb. Me incomodei com algumas bandeiras do terapeuta, certas expressões faciais que mostravam um quase amador na matéria. Mas relevei pelos motivos que apontei antes, e tb porque o terapeuta consegue fazer algumas intervenções importantes em meio às suas próprias dificuldades com a paciente… Enfim, é bom entretenimento!Ah, qualquer dificuldade, mande seu comentário por e-mail que eu ponho aqui. Só não deixe de comentar. porque gosto muito quando vc fala. Teste as minhas tentativas de melhorar o seu lado. Espero ter soltado um pouco as suas mãos para que vc possa falar!
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André, obrigado por me defender! E que bom que vc não sumiu totalmente, hehehe!Abs
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Gwyn, o seu carinho é sempre muito bem recebido nestas bandas. E dá uma vontade parecida tb, acho que o Pax tem razão mais uma vez, quem ficaria olhando e saboreando seríamos nós!Beijão, com um dia lindo por aqui também
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Pax e Ricardo,Pronto, agora ninguem vai me aguentar …minha moral esta na estratosfera…vou ter que pedir para que alguem me traga de volta para a realidade ;))( o que voce ja fez, Ricardo, com seu comentario para o Pax….esse blog e uma delicia de viver…Mais um beijo e abraco apertado para os dois.
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-= Como eu disse no Contemporânea…eu assisti vorazmente esta série… mas depois das 5 primeiras semanas eu meio que cansei.Não que a qualidade tenha caído, mas eu lí sobre a última semana e meio que estragou a surpresa pra mim.De qualquer forma, série fenomenal.Recomendo.
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James, boa dica sobre o que não fazer se quiser seguir gostando da série! Combinado, evitarei ler sobre a série. E mais: nada de torrents e afins, verei bonitinho na tevê, provavelmente às 11:30 da noite, quando reprisa.Abs
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Olá Ricardo!Obrigado pela citação! In Treatment é realmente diferenciada.Um grande abraço,Beck
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Não tem de que, Pedro. Como disse ao Vinicius, cujo blog também linquei, o trabalho de vocês me deu espaço para poder escrever as minhas próprias observações sobre a série.Abs
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Ei, Patricia, olha eu aqui! Eu também sou legal. E sou mais bonito que o Pax e que o Ricardo juntos!Pax,Ok, ok, você venceu. E Ricardo, essa janela é claustrofóbica!
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