Reflexões (pouco) religiosas

Não acredito (muito) em Deus.

Tem razão, esse parêntese não foi um bom começo. Afinal de contas, nos dias de hoje a palavra de ordem é “convicção”: pense o que pensar e, principalmente, diga o que disser, é preciso mostrar-se convicto. Mesmo se tiver que relativizar ou até mesmo contemporizar, faça isso cheio de certezas, caso contrário, ninguém te dará — e nem mesmo alugará seus — ouvidos. (Sobre “convicção”, falo mais em outra ocasião.)

Mas o que dizia mesmo? Ah, sobre Deus. Tema complicado, esse, ainda mais agora, oficialmente atrelado ao discurso do capital, algo que se evidencia no fato de que até o filho Dele aparece como um grande capitalista, proprietário de tudo, especialmente de vans e kombis — estranha predileção, mas, fazer o que, quem somos nós para entender as Suas razões. Enquanto isso, eu, dito agnóstico, ando cheio de dívidas…

Algumas vozes poderão dizer: é esse o momento de entregar-se a Ele! É possível que seja. Porém, uma questão central, difícil de resolver, é o fato de que tenho problemas com a forma, com a estética dos discursos (ditos) religiosos. Parei lá atrás, nas “Confissões” de Santo Agostinho — de leitura incompleta — e nos escritos de alguns mais recentes — Thomas Merton entre eles. E por culpa desses doutos e elegantes senhores, de quem pecaminosamente invejo tanta sabedoria e capacidade de devoção, minhas dificuldades para sabê-Lo***, nos dias de hoje, parecem quase intransponíveis.

Outra questão correlata, que torna as coisas um pouco mais complicadas para mim, é a da necessidade de Deus. Não a(s) Dele, que desconheço, mas o porquê de acreditarmos Nele, especialmente quando há algo de desespero no ar. O problema é que aprendi, sei lá como, a duvidar da legitimidade desse “acreditar”, principalmente, quando se está à beira da morte, “morto” de medo Dele existir (ou ser), de parecer com aquele Deus meio colérico do Velho Testamento, que, com Sua voz de trovão, vai dizer que lá eu não tenho vez. Pois desse jeito, meus caros, é fácil, basta os momentos de desespero que todos têm — e se não têm, já tiveram ou ainda terão — na vida. Curioso é que nessas horas, freqüentemente, os ateus passam a acreditar eu Deus; e que, ironicamente, muitos que Nele acreditavam passam a duvidar…

Talvez se o que se fala (e faz) em nome Dele fosse dito (e feito) em voz baixa, discretamente e em menor número de vezes, eu desse mais espaço, em mim, para a Sua possibilidade — se bem que dizem que, além de não se tratar de possibilidade, Deus não existe, Deus é. Quem sabe assim eu conseguisse prestar mais atenção. Mas enquanto todos gritarem em nome Dele, cheios de convicção, provavelmente escolherei viver cheio de dúvidas e carente de convicções. Nem que seja enquanto a surdez não chegar.

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*** Soube que Carl Jung disse: “eu não acredito em Deus, eu sei Deus”. É uma bela frase.

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8 respostas para Reflexões (pouco) religiosas

  1. confetti disse:

    jung me salvou…pra mim ele era um deus…ah meu deus, sacrilegio !

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  2. Ricardo C. disse:

    Não é sacrilégio não, Confetti. Duvidar da própria descrença tb vale!

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  3. Pax disse:

    Deus, não sei, Deusa existe sim. A minha psicanalista judia do Leblon é uma delas.

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  4. Ricardo C. disse:

    Só para embaralhar as coisas, devo dizer que as judias costumam ser deusas gregas, em se tratando da anatomia nasal…

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  5. Pax disse:

    Nem todas seu Cabral. Nem todas.E já que aqui ninguém pode falar nada, vamos lá.Todos temos nosso Édipo a ser vazado. E eu tinha que terminar de vazar o meu. Encontrei com minha ex-mulher, uma psicanalista que na época estudava psicologia e trabalhava como vendedora numa loja da Cantão 4. Era uma praga, vendia pra caramba. Toda vez que eu ia buscá-la no trabalho comprava alguma coisa. Todo mês a danada ganhava prêmio de melhor vendedora. Mas dei-lhe um ultimato: Quer ser diretora comercial de empresas ou psicanalista? Ela escolheu a psicanálise e a gente apertou um pouco mas foi o caminho que seguiu. Só que me obrigou a entrar na psicanálise também, até antes dessa história, depois que fiz uma merda danada numa festa. Quando a gente reatou ele falou que ficava comigo somente se eu deitasse no divã. A irmã dela, também psicanalista que indicou a judia do Leblon, sua colega da faculdade de Medicina. E lá fui eu. Bem, quando a vi pela primeira vez caí de quatro. Uma loiraça, nada de nariz de turco não, linda de morrer e gostosa pra caralho. E assim foi, além dessa beldade a mulher era de uma competência impressionante. Chamou o Édipo a si, me domou como um potro em doma racional. Bem, conto outro capítulo na sequência da novela Ricardística, o melhor mestre dos blogs PedroDorianos.Ricardo é Deus? Sei lá.

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  6. Ricardo C. disse:

    Pax e suas gostosas… histórias para contar!

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